O Escrivão – Angola

Olá caros leitores, na última publicação do Escrivão tratámos a questão de Goa, na índia e pudemos observar que o processo de independência de Goa começou quase que de forma concomitante no mesmo ano do processo de independência de Angola, parte da história que trataremos hoje na coluna do Escrivão. De fato, Angola partiu na frente, em fevereiro de 1961, quando paramilitares do MPLA – Movimento popular de libertação de Angola atacaram a Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7.ª Esquadra da polícia, a sede do CTT, que eram os Correios e telégrafos de Angola, ora ligados a Portugal e também à Emissora Nacional de Angola.

O processo angolano de independência foi conflituoso e cercado por anos de Guerra. Primeiramente, a guerra de descolonização, que durou de 1961 a 1975, seguida pela guerra civil angolana, que sucedeu diretamente a guerra de independência, conflito que durou 27 anos, terminando no fim no ano de 2002. Esse último conflito devastou toda infraestrutura do país e causou sérios danos à administração pública, aos empreendimentos económicos e às instituições religiosas da nação.

A chegada dos portugueses
Já em 1482, Diogo Cão, representante de D. João II, chega ao Zaire e inicia a conquista portuguesa nesta parte da África, o que inclui Angola. De início, os conquistadores estabeleceram uma aliança com o Reino do Congo, cuja influência dominava toda a região. Mais ao sul encontrava-se dois outros reinos, Ndongo e Matamba, os quais não tardaram a serem fundidos, originando assim o Reino de Angola. Isto se deu em 1559. A história de Angola está intrinsecamente ligada à do Brasil. Instalados na região de Angola, os portugueses eram muito perspicazes em explorarem as rivalidades e conflitos existentes entre os diferentes reinos africanos. Angola não tardou em transformar-se no principal mercado fornecedor de escravos para as plantações da cana-de-açúcar do Brasil. Durante 60 anos, entre 1580 e 1640, os holandeses, interessados em explorar as riquezas brasileiras, tentaram expulsar os portugueses desta região, chegando a ocupar grande parte do litoral africano, principalmente nas costas do Benguela, Santo António do Zaire, bem como as barras do Bengo e do Cuanza. Somente em 1648, as tropas portuguesas, já na ocasião, luso-brasileiras, expulsam os holandeses de Salvador e do Rio de Janeiro, reabrindo assim o mercado de seres humanos escravizados a partir de Luanda. Até finais do século XVIII, Angola funciona como fonte de fornecimento de escravos que eram enviados para as plantações e minas do Brasil e de outras colônias portuguesas na América. A ocupação dos portugueses concentra-se principalmente na costa, concentrando-se no estabelecimento de fortalezas e feitorias. Após a independência do Brasil, ocorrida em 1822, Portugal passa então a explorar o interior do continente africano, uma forma de responder ás pressões das demais potências Europeias, ávidas pelas riquezas minerais africanas. Dessa forma uma séria de tratados são firmados celebrando assim a dominação europeia sobre o continente africano. E assim se deu e durou, de 1482 a 1961, o domínio português sobre o Angola.

A guerra de independência
Bastião do movimento independentista angolano, Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) aparece na cena política em 1956, com a publicação do seu primeiro manifesto. Outros dois movimentos de libertação juntam-se ao Movimento Popular de Libertação de Angola no início dos anos 60 e juntos esse três movimentos desencadeiam uma luta armada contra o colonialismo português. É importante lembrar que o Portugal vivia sob ditadura desde o ano de 1926. Um grande contingente militar foi mobilizado em Angola desde o início do processo de descolonização. Um fato interessante salta aos olhos: foi durante este período que o país conheceu seu maior crescimento econômico. Ainda sob domínio português, a industria do petrolífera angolana conhece um grande desenvolvimento durante o período da guerra de independência. O PIB (produto interno bruto) do país conhece um crescimento de cerca de 7% ao ano, entre os anos de 1960 e 1973. Este ciclo de excepcional crescimento econômico só seria freado pela “Revolução dos cravos” sucedida no memorável 25 de abril de 1974. Essa seria a brecha pela qual esperavam as colonias para reclamarem a sua independência. Em janeiro de 1975, seriam assinados no Algarve os acordos de Alvor, estabelecendo o 11 de novembro daquele ano como o dia da independência, colocando assim um fim ao domínio imperial português naquele país. Contudo, o verdadeiro fim das hostilidades ainda estaria longe de ser efetivo.

Guerra civil
O fim da guerra de independência sinalizaria o início imediato da guerra civil que assolou o país entre 1975 e 2002. Contando com amplo apoio americano, os exércitos da Frente nacional de libertação de Angola FNLA deflagra as hostilidades contra a população civil, engajando inclusive crianças para a frente durante os anos de conflito. Conduzido por agentes da CIA (serviço secreto americano), Nito Alves, personalidade messiânica aliado do Estados Unidos, tenta em 27 de maio de 1977 um golpe de Estado contra Agostinho Neto, então presidente do país. A estratégia adotada fica caracterizada por dois aspetos, já muito conhecidos da estratégia geopolítica americana: 1. Manipulação dos médias conseguindo assim grandes mobilizações populares, 2. armazenamento clandestino de alimentos visando o desabastecimento de bens de primeira necessidade para a população. Essa manipulação flagrante da opinião pública permitia às forças apoiadas pelos Estados Unidos que mantivessem o controle dos estoques de alimentos gerando desabastecimento no mercado, controlando assim não só os preços, mas também os ânimos da população. Infiltração, sabotagem das estruturas existentes e finalmente, golpe de estado.

Como consequência deste fatídico evento, o país viria o agravamento das tensões com a morte de dezenas de milhares de pessoas e a instauração de um toque de recolher, eventos que transformariam a Guerra civil de Angola numa das mais sangrentas guerras do continente africano. Este episódio ficou conhecido como “Fraccionismo” e ainda hoje suscita muitas questões no seio da sociedade Angolana. O conflito durou de forma ampla até a assinatura do Protocolo de Lusakade no ano de 1994, que permitiu a redução substancial das hostilidades. As partes, sem chegar a um acordo, retomam as hostilidades em 1998. Desta vez o conflito duraria até 2002, com a morte de Jonas Savimbi, liderança da UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola, uma das partes diretamente envolvidas no conflito.

Angola moderna
Superadas as beligerâncias, Angola se desenvolve de maneira permanente. O país foi inserido pela ONU entre as nações de “desenvolvimento médio” no relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com dados relativos a 2017. O país ocupa a posição 147 de 189, com um crescimento constante do IDH (índice de desenvolvimento humano). Em 2015 o país voltou a realizar o censo da população, o que ajudou de maneira substancial a medir os desenvolvimentos alcançados a partir dos primeiros anos do século XXI. Atualmente o rendimento per capita no país está em 2.387 euros. O país ainda enfrenta um grande problema para mitigar as desigualdades sociais. Segundo relatório da ONU, resta ao país concentrar esforços para promover o crescimento inclusivo ancorado em políticas macroeconómicas, acompanhar a transição demográfica com uma forte proteção social e bem direcionada, investir no desenvolvimento humano, adotar uma governança sólida e um ambiente macroeconómico baseado em estabilidade macroeconómica e financeira e aproveitar o Dividendo Demográfico através dos investimentos na juventude. Essas seriam, em linhas gerais as recomendações das Nações Unidas para que o país possa entregar mais desenvolvimento e qualidade de vida a seus cidadãos.
No aspeto das relações bilaterais com Portugal, Angola ainda apresenta forte ligação com o “continente”. Recentemente foi assinado um acordo que põe fim à dupla tributação entre os países, permitindo assim o fomento das atividades económicas. No âmbito deste acordo, Portugal funcionará como um hub europeu para investimentos no continente Africano, tendo como porta de entrada Angola. Da mesma forma, Angola funciona como um hub africano permitindo a exportação de bens e serviços para a Europa, tendo como porta de entrada Portugal.