Paralelo 38: A vontade dos açorianos

Em 1976, a Constituição da República Portuguesa consagrou a Autonomia dos Açores. O deficiente sistema existente dos três distritos de Ponta Delgada, Angra e Horta, tidos como autónomos, consubstanciados nas juntas gerais, sem base democrática, levou à revolta do povo açoriano na sequência dos ventos de mudança do 25 de Abril.
No estado terminal do imperialismo autoritário e da colonização, surgiram, nos Açores, facções internas que divergiam radicalmente umas das outras quanto à mudança política administrativa a ser implementada. Registou-se, por um lado, os que se mantinham agarrados a uma história obsoleta e, por outro, os que pretendiam cortar em definitivo com o passado caduco e, em seu entender, irremediável. Em suma, o povo exigiu a mudança, que efetivamente veio a acontecer. Eclodiram movimentos separatistas, logo combatidos por Lisboa. Independência nunca. O caminho producente apontou para uma autonomia constitucional ampla e renovadora.
Mota Amaral, corajosamente, encabeçou as hostes. Foi pragmático e deu forma de letra à nova História dos Açores, não sem que antes se debatesse com a resistência autoritária centralista do Terreiro do Paço, então de cariz manifestamente comunista, defendendo a autonomia da região, que foi, legitimamente, conquistada nas ruas e nas urnas. O povo é quem mais ordena!
A autonomia açoriana navegou, conjuntamente com a da irmã Madeira e com o país continental, rumo à União Europeia da prosperidade e do desenvolvimento. As ilhas mudaram para melhor e são hoje um local tranquilo e aprazível de se viver.
Passados 44 anos sobre a irreverência açoriana, o escritor José Andrade, um filho e neto dileto de jornalistas micaelenses conceituados, um ex-radialista da RDP Açores, hoje político, lança uma cronografia irrepreensível dos acontecimentos deste período da História açoriana até aos nossos dias, um livro de 420 páginas que, seguramente, será auxiliar de estudo para universitários e educandos do secundário. Chama-lhe A vontade dos Açorianos – Os órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores (1976-2020), e elenca 460 protagonistas políticos, em 11 legislaturas e em 12 governos constitucionais, fruto de 11 eleições legislativas. Afirma tratar-se de “um manual de instruções e um bilhete de identidade da conceção e da vivência, da afirmação e da consolidação da Autonomia Política da Região Autónoma dos Açores”. E, embora social-democrata convicto e militante desde muito jovem do PPD-PSD, o autor salienta tratar-se de uma obra onde “o nosso único partido é a Região Autónoma dos Açores”.
Em A vontade dos Açorianos o leitor encontra três secções distintas: Antes da ordem do dia, a Ordem do dia e Depois da ordem do dia, títulos subtraídos à decorrência dos trabalhos regulamentares do parlamento, onde o autor foi, de 2012 a 2016, deputado. Desde o enquadramento legal da autonomia, à cronologia autonómica, aos símbolos regionais, ao glossário partidário, às lideranças políticas da Autonomia dos Açores, à composição política dos mandatos regionais dos sucessivos parlamentos e dos governos subsequentes, à evolução eleitoral, nada é esquecido por Medeiros Andrade, mencionando os 460 parlamentares e governantes que exerceram funções regionais, de 1976 a 2010, incluindo os oito presidentes sucessivos do parlamento: Álvaro Monjardino, Madruga da Costa, Reis Leite e Humberto Melo, pelo PSD; Dionísio de Sousa, Fernando Menezes, Francisco Coelho e Ana Luís, pelo PS; bem como os quatro presidentes consecutivos do governo: João Bosco Mota Amaral e Alberto Romão Madruga da Costa, pelo PSD; Carlos César e Vasco Cordeiro, pelo PS.
Em Depois da Ordem do dia, José de Medeiros Andrade também inclui a participação açoriana em funções legislativas na República e na União Europeia. Disponibiliza, nesta secção, um guia alfabético contendo 70 representações externas. Foram, até à data, 82 os deputados eleitos pelos Açores à Assembleia da República e 14 os mandatários açorianos no Parlamento Europeu.
Neste livro, essencial para a compreensão da História dos Açores, o autor apresenta o percurso da autonomia do arquipélago nos últimos 44 anos, através de “trabalho exaustivo, (…) com sérias preocupações de rigor, demonstrando (…) a capacidade de investigação, de análise e de exposição já evidenciadas em publicações anteriores e sobre temas variados”, como afirma Mota Amaral no prefácio da obra.
Para o segundo prefaciador, Carlos César, o livro é “um dos mais valiosos acervos políticos do último meio século nos Açores”.
Felicitamos o escritor José Andrade por este seu vigésimo quarto livro, uma obra que muito vem enriquecer o já valioso espólio bibliográfico da Região Autónoma dos Açores.

Texto de João Gago da Câmara