Um Povo Ausente

Uma das características que marca um povo, para além da qualidade da sua mentalidade e estado de espírito, é a sua capacidade interventiva.
Um povo interventivo, por si só, tende a criar instituições onde o equilíbrio de poder lhe permite indignar-se e influenciar o poder, que ele próprio elegeu democraticamente. A situação e similar a uma empresa, em que os donos, que pode ser uma só pessoa ou uma multidão de acionistas com participação nessa empresa, colocam uma equipa de gestão, equipa esta que é monitorizada, avaliada face aos objetivos impostos, ou seja, existe uma conjunto de regras que permite aos donos exigir da equipa gestora ou equipa executiva o bom cumprimento das regras e a perseguição dos melhores interesses da empresa. Imaginem agora que os donos dessa mesma empresa se abstêm de acompanhar a equipa gestora. Esta, sem rédeas, pode muito bem seguir objetivos que não são do interesse dos donos acionistas da empresa, podendo mesmo infligir-lhes prejuízos avultados.
É este o panorama que se vive em Portugal.
Culminou nos últimos dias com o aparecimento do primeiro-ministro António Costa na lista de comissão de honra de Luís Filipe Vieira, atual presidente e candidato a nova eleição para a liderança do Benfica.
Não vou aprofundar o currículo de Luís Filipe Vieira na justiça, com múltipla participação como arguido em casos estranhos, culminando com avultadas dívidas na banca, em particular no Novo Banco (banco “bom” que restou do famigerado BES, Banco Espírito Santo) onde os cerca de 225 milhões que empresa sua devia foram “apagados” das contas do banco, valor esse que será suportado pelo contribuinte português.
A esta altura o amigo leitor deve estar a perguntar-se: não foi acerca do Novo Banco que António Costa, primeiro-ministro, criou uma reserva de fundo de resolução aquando da venda do mesmo, no valor de 3,89 mil milhões de euros, à qual os novos donos do novo Banco podem recorrer devido a imparidades que fossem aparecendo?
É esse mesmo!
E que levou à indignação de António Costa pois com toda a certeza essa garantia vai ser totalmente usada, ou seja, paga pelo contribuinte português.
Mas, agora, António Costa aparece na lista de comissão de honra para eleição de uma pessoa que é um dos que custou mais em empréstimos ao Novo Banco, fora outros bancos? António Costa justifica-se tentando separar o António Costa primeiro-ministro e o António Costa cidadão, por ventura entusiasta do Benfica. Mas isso não é correto. A sua imagem de primeiro-ministro é indissociável do cidadão, todos os seus atos estão sobre escrutínio principalmente por ser um alto funcionário do estado com relevante poder decisório.
O mesmo se aplica a outros, como por exemplo Fernando Medina, presidente da câmara de Lisboa, participante também na comissão de honra de Luís Filipe Vieira. A independência, principalmente nestes cargos, é absolutamente fundamental para a transparência das suas decisões.
E onde para o povo português?
Não há indignação?
Não há protestos?
Vive-se bem com esta promiscuidade entre futebol e política?
Isto não é uma questão clubística. É, acima de tudo, uma questão de maioridade civilizacional e consequentemente maioridade democrática, que exige que o povo esteja atento e seja exigente para com os seus representantes. A ação mais imediata é através do voto, em particular desde já as intenções de voto nas sondagens deve revelar um desagrado dos portugueses com este tipo de posturas e ações.
Não é por acaso que António Costa se sente confortável: com performance medíocre e uma oportunidade falhada de fazer progredir Portugal até ao aparecimento da covid-19, com desastres sérios nos incêndios de 2017 e muitos outros aspetos discutíveis, as sondagens continuam a dar uma maioria confortável a António Costa, muito próxima da maioria absoluta. Com este resultado, como não justificar a impunidade, arrogância e vaidade com que aceita ser participante de uma comissão de honra de um candidato à presidência de um clube de futebol, qualquer que ele seja?
Caro cidadão, está mais do que na hora de ser exigente com os representantes que elegemos. Alguns já se sentem fartos e é este desagrado mal colocado que tem vindo a provocar a ascensão das extremas esquerda e direta.
Este é o resultado de aceitar e promover o oportunismo e oportunistas, narcisistas e incompetentes qualquer que seja o país.

Texto escrito por Jorge Correia